O Anjo de Guarda é menos inteligente do que o demônio?

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Plinio Corrêa de Oliveira

A Igreja ensina que Deus criou os Anjos muito superiores a nós. Puros espíritos, de inteligência lucidíssima e grande poder, excedem por sua natureza mesmo os homens mais bem dotados. Com sua revolta, os Anjos maus perderam a virtude, não porém a inteligência, nem o poder. Deus costuma frear a ação deles mais ou menos, segundo os desígnios de sua Providência. Mas de per si, e segundo sua natureza, continuam eles muito superiores ao homem.

Daí o fato de que a Igreja sempre aprovou que os artistas figurassem o demônio sob a forma de um ente inteligente, sagaz, astuto, poderoso, se bem que cheio de malícia em todos os seus desígnios. Aprovou Ela até que se apresentasse o demônio como um ente de encantos fascinantes, para manifestar assim as aparências de qualidade de que o espírito das trevas pode revestir-se para seduzir os homens.

Em nosso primeiro clichê, temos um exemplo desta apresentação do demônio. Mefistófeles, com um semblante fino, astucioso, de psicólogo penetrante e cheio de lábia, instila pensamentos de perdição, suaves e profundos, ao Doutor Fausto, que dorme, e se acha em pleno sonho.

Este tipo de representação se tem tornado tão frequente que quase não se figura o demônio senão sob este aspecto. Tudo isto é, como dissemos, perfeitamente ortodoxo.

As representações que certa iconografia muito corrente faz dos Anjos bons em que sentido são? Mostram-nos como seres eminentemente bem intencionados, felizes, cândidos, e tudo isto é conforme à santidade, à bem-aventurança, à pureza que possuem em grau eminente. Mas essas representações passam da conta, e, querendo acentuar a bondade e a pureza dos Anjos fiéis, não sabendo de outro lado como exprimir ao mesmo tempo sua inteligência, sua fortaleza, sua admirável majestade, figuram seres insípidos e sem valor. Nosso segundo clichê mostra uma menina transpondo um riacho, sobre uma tábua. Um Anjo da Guarda a protege. O quadro, sendo popular e sem pretensões, não deixa de despertar simpatias legítimas, pois evoca agradavelmente um panorama campestre, tendo ao fundo o campanário da aldeia, e impregnado da inocência de vida que nos campos tão mais facilmente se pode conservar. De outro lado é comovedora a idéia de uma criança que segue despreocupada seu caminho, protegida por um Príncipe celeste, que a ampara carinhosamente. Mas este Príncipe, atentemos para a sua face: não parece ele inteiramente falho daquela força, daquela inteligência, daquela penetração, daquela subtileza própria à natureza angélica e com que se apresenta sempre Satanás? Atentemos para o corpo que se atribui ao Anjo bom: atitude mole, largada, ininteligente. Comparemo-lo com a esbelteza, a agilidade, a alta expressão do porte de Mefistófeles: pode haver diferença maior?

Nisto tudo vai um grave inconveniente. Representando insistentemente o demônio como inteligente, vivo, capaz, representando sempre – como o faz certa iconografia açucarada – os Anjos bons como seres moles, inexpressivos, quase tolos, que impressão se cria na alma popular? Uma impressão de que a virtude produz seres desfibrados e abobados, e pelo contrário o vício forma homens inteligentes e varonis. Há nisto mais um aspecto daquela ação edulcoradora que o romantismo exerceu tão profundamente, e ainda continua a exercer, em muitos meios religiosos.

Fonte: Revista Catolicismo, Nº 41, Maio de 1954 – Ambientes, Costumes e Civilizações.

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