Cid Alencastro

Uma alegoria nos ajuda a ver quão elevado é o patamar em que se situa a Mensagem de Nossa Senhora de Fátima (1917), ao mesmo tempo justiceira e misericordiosa.
Conhecido conto medieval apresenta-nos um cavaleiro passando junto ao local onde três operários afincadamente trabalhavam com grandes pedras- hoje se diria um canteiro de obras. Chamou-lhe a atenção aquele esforço pelo qual tais homens pareciam lançar os fundamentos de algum futuro edifício.

Espicaçado pela curiosidade, ao mais próximo perguntou o que fazia. Este prontamente lhe respondeu: Estou cortando pedras. Não satisfeito com a resposta, tocou um pouco o cavalo, e aproximando-se do segundo, repetiu-lhe a pergunta. Estou preparando os fundamentos de um muro -foi a resposta. Por fim, indagado o terceiro sobre sua atividade, este respondeu: Estou construindo uma catedral!
Ora, os três faziam exatamente o mesmo trabalho, se considerado o aspecto material de sua atividade. Mas cada um deles se dedicava ao labor com um estado de alma peculiar. O primeiro só era capaz de enxergar as pedras que tinha diante de si; o segundo elevava mais as vistas, e já via o muro que iria subir; o terceiro, por fim, alçava-se ainda mais, e dali contemplava a bela catedral que surgiria. Não é descabido supor que antevisse os maravilhosos vitrais a iluminá-la, o incenso a impregnar-lhe as paredes, o cântico do Kyrie a ecoar nas abóbadas, a glória a Deus manifestada nos santos ritos ali celebrados.

O patamar mais elevado
Trata-se evidentemente de uma alegoria sobre a condição humana. Todos nós vivemos juntos nessas cidades modernas, nos encontramos nas mesmas ruas e praças, vamos aos mesmos locais de trabalho, aos mesmos supermercados, vemos as mesmas cenas da vida. No entanto, se sondamos as almas, quantas diferenças no modo de julgar cada coisa…
Fica aqui um convite ao leitor para julgar o mundo que nos cerca de um patamar muito elevado, do alto da torre de uma catedral. Não se trata de perder o contato com a realidade. Longe disso. Nada pior que sonhos quiméricos que só servem para transviar os espíritos que correm atrás deles. Trata-se de ver uma realidade mais alta, que ilumina e condiciona as realidades do cotidiano. O homem que construía a catedral não estava fora da realidade, ele a contemplava de seu mais alto patamar. Por assim dizer, é olhando como que através dos olhos de Deus que se alcança o suco da realidade.

A luz mais reveladora
É por isso que Catolicismo insiste na divulgação da Mensagem de Fátima, a qual nos mostra o mundo contemporâneo sob a luz mais reveladora.
De fato, a realidade presente pode ser visualizada de patamares sucessivamente mais elevados. Podemos ver as dificuldades que a sociedade atual, permissiva e igualitária, acarreta para cada indivíduo (para os interessados, seus problemas pessoais parecem enormes, mas para o conjunto da humanidade são pequenos). Numa visão mais ampla, topamos com o processo em curso de dissolução das famílias e da propriedade. Podemos ver, em escala regional, os terremotos, os maremotos, as guerras e revoluções, os desvarios dos movimentos pacifistas.
A Mensagem de Fátima, sem negar a autenticidade da visão obtida a partir de cada um dos patamares, mostra-nos entretanto como Deus vê o mundo atual no seu conjunto: carregado de pecados, participe de um processo revolucionário que leva tudo de roldão simbolizado pelos erros da Rússia, ou seja, o comunismo em suas várias formas e diluições provocando a ira de Deus, cuja manifestação se dará por meio de guerras e revoluções, de perseguições à Igreja e tudo o mais.
Manifestação grandiosa, ao mesmo tempo justiceira e misericordiosa, porquanto pune o mal mas repõe as coisas no seu lugar, criando novamente condições para a prática da virtude e do amor de Deus.

Fonte: Revista Catolicismo, nº 662, fevereiro de 2006, p. 44-45; Link: Catolicismo n° 662, fevereiro de 2006.